12 setembro, 2009

A Bollywood da Globo, por Silvia Rogar, ou sobre os cenários e filmagens da novela



A Bollywood da Globo
por Silvia Rogar

As novelas da Rede Globo já tiveram gravações em Atenas e Macau, em Praga e Miami, em Moscou e Bali. Sempre uns poucos capítulos, em geral para dar um brilho ao começo da história e garantir flashbacks glamourosos ao longo da trama. Não é o que ocorre em Caminho das Índias, o atual folhetim das 8 horas da Globo. Do início ao fim, a novela de Glória Perez terá peripécias ambientadas no Rajastão, o maior estado indiano, onde vivem os personagens do núcleo central da história. Ao longo de um mês, uma equipe de quarenta pessoas se dividiu entre cinco cidades indianas e captou imagens de monumentos e palácios, de festas e da vida cotidiana, de cerimônias religiosas e do trânsito caótico. Também foram gravadas cenas com parte do elenco em locais turísticos como o Taj Mahal (que não fica no Rajastão). Manter uma equipe estacionada na Índia pelos sete meses de duração de uma novela seria, contudo, impraticável. Por isso, o drama do amor impossível de Maya (Juliana Paes) e Bahuan (Márcio Garcia) desenrola-se na cidade cenográfica mais imponente da história da Globo. São 12.100 metros quadrados de Índia reproduzidos no Projac, a central de produções da emissora, num trabalho que levou dois meses e envolveu 180 operários, mais sessenta profissionais responsáveis pelo paisagismo e pelos detalhes do cenário. A cidade propriamente dita, com suas ruas, becos, casas, lojas, palácio e templo hindu, ocupa 9 600 metros quadrados. Os outros 2 500 metros quadrados pertencem ao Rio Ganges, construído a partir de um lago artificial que já existia no Projac. Os custos de produção só não explodiram porque esse Rajastão de folhetim aproveitou em grande parte a estrutura da Portelinha de Duas Caras, que ocupava 8 000 metros quadrados. O arruamento e 50% das construções do núcleo indiano são adaptações da favela que movimentou o enredo da novela de Aguinaldo Silva. Com isso, manteve-se o custo por capítulo em 430 000 reais, dentro da média do horário.

A Índia criada pela equipe de Glória Perez é bem bollywoodiana (a pujante indústria de cinema indiana tem o apelido de Bollywood). O país tem uma sujeirinha aqui e um quebradinho acolá, mas não deixa entrever nem de longe a miséria da Índia real. Só ficaram o pitoresco e o colorido: riquixás, tuk-tuks (triciclos motorizados), ônibus enfeitados e barraquinhas e lojas com produtos populares. Desses últimos, 80% foram comprados diretamente na Índia pela produção de arte. São xales, instrumentos musicais, flores e imagens de deuses hindus em profusão. Uma indiana que mora no Brasil se encarrega de revisar os cartazes e letreiros escritos em hindi. Também fazem parte da festa três vacas e três cabras, que perambulam pelos cenários à vontade, fazendo o que bem entendem, e 100 figurantes, que encarnam transeuntes e profissionais de rua, como vendedores de chá, entregadores de marmita, dentistas e limpadores de orelha (quem já foi à Índia sabe que limpadores de rua seriam mais úteis).


Em Caminho das Índias, várias técnicas de construção de cenários vêm sendo testadas pela Globo, algumas pela primeira vez. Alguns pisos, por exemplo, são reproduções de originais indianos, fotografados e impressos digitalmente em uma lona fosca, inclusive com suas imperfeições. Treliças e grades trabalhadas, que mais lembram rendas, ganharam forma por meio de um processo computadorizado, que recorta fibras de madeira com precisão. Já os relevos decorativos das construções foram artesanalmente esculpidos em isopor e, depois, recriados em fibra de vidro. Foi dessa maneira que se moldaram uma versão reduzida do Palácio dos Ventos, cujo original está em Jaipur, e o templo cenográfico, com esculturas de deuses hindus trabalhados em sua fachada. "É um tipo de acabamento que apenas dois anos atrás não seria possível", afirma o diretor de arte Mário Monteiro, há 41 anos na emissora.


Em novelas anteriores, a Globo reproduzia no máximo bairros, com esquinas e casas bem marcadas e identificáveis. Em Caminho das Índias, a lógica é inversa. Para dar a ideia de uma grande cidade, foi preciso construir espaços versáteis. O beco onde se concentram algumas lojas, por exemplo, foi erguido com cinco saídas. As lojas de Opash (Tony Ramos) e Manu (Osmar Prado) ficam praticamente frente a frente no cenário. Para evitar que o espectador perceba a proximidade física (afinal, no início da novela os dois personagens não se conheciam), o truque é fazer Manu usar sempre a entrada dos fundos.


Graças aos efeitos visuais, imagens feitas na Índia tornam-se pano de fundo de cenas gravadas no Brasil. Assim, os onipresentes morros de Jacarepaguá, bairro onde fica o complexo de estúdios da Globo, foram substituídos pelas colinas do Rajastão. O recurso também é usado para dar vida ao falso Rio Ganges. A Globo construiu uma escadaria que serve de palco para atividades como a lavagem de roupa e cremações à beira da água. Atrás, veem-se imagens captadas na Índia e selecionadas de acordo com o contexto da cena. Sagrado para os hindus, o Ganges da Globo tem, como vizinho, uma construção para lá de profana: a casa do Big Brother.





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