31 maio, 2010

Clarice Lispector... "não me prendo a nada que me defina...




"Não me prendo



a nada que me defina.
Sou companhia, 
mas posso ser 
solidão,
tranqüilidade
e inconstância,
pedra e coração.
Sou abraços,
sorrisos, ânimo, 
bom humor,sarcasmo,
preguiça e sono.
Música alta e silêncio.
Serei o que você
quiser, mas só
quando eu quiser..."


Clarice Lispector

...........

*Créditos de edição 
da minha amiga 
do orkut


Dama do Lago*


29 maio, 2010

Deleuze, esquizoanalista, por Suely Rolnik... ou um exemplo de uma "outra clínica" psicológica... mais atômica!



A Clínica Psicológica não se dá somente nas "grandes e profundas" questões. 
Nem só no sofrimento; nem só na angústia e nem só naquilo que chamamos de "sintoma", "fantasma" e correlatos.
Ela se dá também e, talvez principalmente, naquelas instâncias fragmentadas que se colocam à análise: cenas do cotidiano, marcas de corpo e no corpo, fragmentos de assuntos diversos e até mesmo naquilo que está colocado como inquestionável porque não está relacionado ao sintoma.
As vezes, nem há a presença do sintoma. Algo difícil de apreender por aqueles que AINDA acham que terapia, ou melhor dito, psicoterapia e análise, ou psicanálise são indicados para loucos e doentes "mentais".

Essa clínica do social e da vida, por assim dizer, se dá em qualquer lugar, em qualquer tempo e em muitos espaços. 

É uma Klínica, com K, de Klinamen (a palavra clínica também deriva da palavra klinamen que aludia ao desvio, que permitem aos átomos, ao caírem no vazio, se chocarem articulando-se na composição de coisas (Regina Benevides e Eduardo Passos), que permite a junção e os olhares se desviarem para cenas e cenários aparentemente desarticulados.

Olhares que vão sendo construídos para dar visibilidade às potências de vida adormecidas ou sanambúlicas... rsrs 

O artigo da Suely Rolnik dá um testemunho disso.
Muito belo, por sinal.
Sente-se o aroma e as formas... de uma "nova suavidade".

Deleuze, esquizoanalista

              No relato de um pequeno episódio, toma vulto a figura inesperada de um Deleuze esquizoanalista.  Através de certas ressonâncias deste episódio na subjetividade, o leitor poderá acompanhar alguns meandros de um trabalho com o desejo que se orienta especialmente pela cartografia conceitual deleuziana.     

              Primeira cena: 1973. Começa uma amizade com Deleuze, cujos seminários venho acompanhando há mais de dois anos. Ele vive dizendo que meu esquizoanalista é ele e não Guattari (com quem efetivamente faço análise), e insiste que trabalhemos juntos. Um dia, me traz de presente um LP com a ópera Lulu, de Alban Berg, e sugere um tema: comparar o grito de morte de Lulu, personagem principal desta ópera, ao de Maria, personagem de Wozzeck, outra ópera do mesmo compositor.
              Misturando a Lulu de Berg com a de Pabst (o belíssimo filme com Louise Brooks baseado nesta ópera), sua imagem é a de uma mulher exuberante e sedutora que se envolve com uma significativa diversidade de mundos, numa vida inteiramente experimental. Num período de miséria decorrente de algum episódio em que sua vitalidade sofre o impacto de forças reativas, Lulu sai às ruas para fazer algum dinheiro, em pleno frio de uma noite de natal. No anonimato do michê, ela acaba encontrando nada mais nada menos do que Jack o Estripador, que evidentemente irá matá-la. No momento em que antevê a morte refletida no facão que o assassino aponta contra ela, Lulu solta um grito dilacerante. O timbre de sua voz tem uma estranha força que fascina Jack a ponto dele quase desistir do crime. Também nós somos atingidos por esta força: sentimos vibrar em nosso corpo a dor de uma vigorosa vida que se recusa a morrer.
              Já a outra mulher, Maria, é a cinzenta esposa de um soldado qualquer. Seu grito de morte é quase inaudível; confunde-se com a paisagem sonora. O timbre de sua voz nos transmite a pálida dor de uma vida insossa, como se morrer fosse igual a viver.
              O grito de Lulu nos vitaliza, apesar e por causa da intensidade de sua dor. Já o grito de Maria, nos arrasta para a melancolia e nos dá vontade de morrer.

              Segunda cena: 1978. Uma aula particular de canto, que venho fazendo com duas amigas, aos sábados à tarde, já há algum tempo. A professora é Tamia, cantora que pesquisa  música contemporânea improvisada, vertente muito ativa no momento. Neste dia, para nossa surpresa, ela pede que cada uma de nós escolha uma canção e nos faz  trabalhar com isso durante toda a aula.
              A canção que me ocorre é uma entre as tantas do Tropicalismo - versões musicais do intenso movimento criador que vivíamos no Brasil nos anos sessenta, cuja interrupção brutal pela ditadura fora indiretamente responsável por meu exílio em Paris: «cantar como um passarinho de manhã cedinho... abre as asas passarinho que eu quero voar... me leva prá janela da menina, na beira do rio...». É Gal quem canta, com aquele timbre suave que explora em algumas de suas interpretações e que tem o dom de aconchegar o ouvinte.
              À medida que vou cantando, uma vibração semelhante toma conta de minha própria voz, cada vez mais firme e cristalina. Sou tomada por um estranhamento: primeiro, a sensação de que este timbre me pertence desde sempre, e que apesar de silenciado por tanto tempo, é como se eu nunca tivesse deixado de expressá-lo; depois, porque à medida que flui, sua vibração apesar de tão suave parece perfurar meu corpo, que de repente se mostra como que petrificado. Sinto o branco da jardineira e da camiseta que estou vestindo como uma pele/gesso compacta envolvendo meu corpo; e mais, esta espécie de carapaça parece estar ali há muito tempo, sem que eu jamais tivesse me dado conta. O curioso é que o endurecimento do corpo revela-se no momento mesmo em que o filete de voz o perfura, como se de algum modo voz e pele estivessem imbricados. Terá o corpo enrijecido junto com o desaparecimento do timbre? Seja como for, o gesso tornara-se agora um estôrvo, do qual tinha que me livrar o mais rápido possível.
              Neste instante decido voltar ao Brasil. E no entanto, objetivamente,  nada em minha vida em Paris teria me levado a tomar tal decisão - gostava de viver lá, tinha um círculo de amizades que conservo até hoje, trabalhava com psicóticos e dava aulas de análise institucional, como eu queria, tanto que nunca tinha pensado em ir embora e muito menos feito qualquer plano nesta direção. Mas voltei, e nunca duvidei do acerto de minha decisão.
              Levei alguns anos para entender o que havia acontecido naquela aula de canto, e outros tantos para perceber que aquilo podia ter uma relação com o trabalho que me havia proposto Deleuze muito tempo antes.
             
              O que o canto anunciava em meu corpo naquela tarde de sábado, é que a ferida no desejo causada pela ditadura cicatrizara o bastante para me permitir voltar ao Brasil se eu quisesse.
              Entendamo-nos sobre a palavra “desejo”: atração que nos leva em direção a certos universos e repulsa que nos afasta de outros, sem que saibamos exatamente porquê; formas de expressão que criamos para dar corpo aos estados sensíveis que tais conexões e desconexões vão produzindo na subjetividade. Pois bem, regimes totalitários não incidem apenas no concreto, mas também nesta invisível realidade do desejo: seus movimentos tendem a bloquear-se; proliferam políticas microfascistas. Violência invisível,  mas não menos implacável.
              Do ponto de vista micropolítico, regimes deste tipo costumam instaurar-se na vida de uma sociedade quando multiplicam-se mais do que habitualmente as conexões com novos universos na alquimia geral das subjetividades, provocando verdadeiras convulsões. São momentos privilegiados em que se intensifica o movimento de criação individual e coletiva, mas que também incubam o perigo de desencadear microfascismos, se um determinado limiar  de desestabilização for ultrapassado. É que quando a barreira de uma certa estabilidade é rompida, corre-se o risco de subjetividades mais toscas, arraigadas ao senso-comum, vislumbrarem aí o perigo de uma desagregação irreversível e entrarem em pânico. Por se pensarem constituídas de uma vez por todas, subjetividades deste tipo não entendem que tais rupturas são inerentes à produção de seus contornos, os quais estão sempre se redelineando em função de novas conexões. A reação mais imediata é interpretá-las como a encarnação do mal e atribuí-lo, para se proteger, a características dos universos desconhecidos que se introduziram em sua paisagem existencial. A solução é fácil de deduzir: eliminar estes universos, na figura de seus portadores. Isto pode ir desde a pura e simples desqualificação deste incoveniente outro até sua eliminação física. Espera-se com isso apaziguar, pelo menos por um tempo, o mal-estar que o advento de diferenças instaura.
              Quando este tipo de política do desejo prolifera,  forma-se um terreno fértil para o aparecimento de lideranças que a encarnem e lhe sirvam de suporte: são os regimes totalitários de toda espécie. Embora microfascismos não se produzam apenas nestes regimes, neles tais políticas são a principal base no âmbito da subjetividade. Tudo aquilo que diferir do senso-comum passa a ser considerado erro, irresponsabilidade, ou pior, traição. Como o senso-comum confunde-se com a própria idéia de nação, diferir dele é trair a Pátria. Mais aterrorizador ainda é quando senso-comum e nação confundidos, são identificados aos ideais que norteiam uma ditadura militar: é a vez dos “ame-o ou deixe-o” em diferentes versões.
              São estes os momentos de triunfo do senso-comum sobre as forças da criação. O gesto criador intimida-se e se retrai, associado que fica ao perigo de punição que pode tanto incidir sobre a imagem social, estigmatizando-a, quanto sobre o próprio corpo, através de prisão, tortura e até morte. Humilhada e desautorizada, a dinâmica criadora do desejo paraliza-se sob o domínio da culpa e do medo; esta parada que se dá na verdade em nome da preservação da vida, pode chegar a uma quase morte. O trauma de experiências deste tipo deixa a marca venenosa de um desgosto de viver; uma ferida que pode vir a contaminar tudo, brecando grande parte dos movimentos de conexão e invenção.
              Uma das estratégias usadas para se proteger deste veneno consiste em anestesiar no circuito afetivo as marcas do trauma. Estas são então isoladas sob o manto do esquecimento, evitando assim que seu veneno venha a contaminar o resto, de modo que se consiga continuar vivendo. Mas a síndrome do esquecimento tende a abarcar muito mais do que as marcas do trauma, já que o circuito afetivo não é um mapa fixo, mas uma cartografia que se faz e se refaz permanentemente podendo cada ponto se vincular com qualquer outro e a qualquer momento. É então grande parte da vibratibilidade do corpo que acaba ficando anestesiada, o que tem como um de seus efeitos mais nefastos separar a fala dos estados sensíveis.
              O exílio em Paris têve este sentido de me proteger do abalo sísmico que a experiência da ditadura e da prisão tinham me causado; proteger-me fisicamente pelo deslocamento geográfico, mas também e sobretudo subjetivamente pelo deslocamento de língua. Desinvesti por completo o portugues, e com ele as marcas venenosas do medo de sofrer que inviabilizam os movimentos do desejo. Para evitar qualquer contato com a língua, eu evi­tava inclusive qualquer contato com brasileiros; instalei-me no francês como língua adotiva,  sem sotaque algum, como se aquela fosse minha língua de origem, a ponto de muitas vezes não me perceberem como estrangeira. A língua francesa passou a funcionar como uma espécie de gesso que con­tinha e tornava coeso um corpo afetivo agonizante; um acolhedor escon­derijo de pedaços feridos de meu próprio corpo que me eram intoleráveis, o qual me permitia fazer novas conexões e reexperimentar certos afetos que haviam se tornado perigosos em minha própria língua.      
              Naquela aula de canto, nove anos depois de minha chegada em Paris, algo em mim  soube sem que eu ainda me desse conta, que o envenenamento estava em parte curado, pelo menos o suficiente para não haver mais perigo de contaminação. O tim­bre suave de um gosto de viver reemergia e me trazia de volta, já sem tanto medo. Mas afinal o que se passou naquele dia?
              O gesso que até então tinha sido a condição de minha sobrevivência, a ponto de con­fundir-se com minha própria pele, perde o sentido a partir do momento em que o timbre suave e amoroso recupera o direito de e­xistir. O que fora um remédio para o molejo machucado do desejo passa a ter o efeito paradoxal de limitar seus movimentos. É provavelmente isso o que fêz com que naquela aula acontecesse tudo de uma vez só - o reaparecimento do timbre, a descoberta da dura cara­paça e o incômodo que ela começa a me causar. O gesso feito de língua francesa que funcionara como ter­ritório através do qual minha vida pôde expandir-se num certo período, como toda estratégia defensiva, produzira igualmente um efeito colateral de restrição. Mas esta restrição só pôde ser problematizada quando a defesa tornara-se desnecessária: as inúmeras conexões que eu já havia feito na língua adotiva tinham reativado a dinâmica experimental do desejo. Eu estava curada, não da dor causada pela violência do trauma, pois esta é incurável, mas de seus efeitos doentios. É no canto, reserva de memória dos afetos, que se expressou a metabolização dos efeitos do trauma e, junto com  isso, a dissolução da síndrome do esquecimento que eu desenvolvera como reação defensiva.
             
              E o que isto tem a ver com a Lulu de Deleuze? Chego em Paris, trazendo em meu corpo marcado pelo Brasil da ditadura, uma espécie de falência do desejo arrastando uma igual falência da vontade de viver. Ouvir Deleuze em seus seminários, tinha o misterioso poder de me tirar deste estado. Algo que não passava necessariamente pelo conteúdo de sua fala, pois no começo eu mal sabia francês, mas sim por seu estilo, especialmente a voz. Seu timbre transmitia a riqueza de estados sensíveis que pareciam povoar seu corpo; suas palavras e o ritmo de seus encadeamentos pareciam emergir desta riqueza, delicadamente esculpidos pelos movimentos do desejo. Esta transmissão contagiava qualquer um que ouvisse.
              Um pouco mais tarde, Deleuze me propõe pesquisar os gritos de morte daquelas duas mulheres. A estranha força que o grito de Lulu transmite é o de uma violenta reação à morte. É isto que o ouvinte sente vibrar em seu corpo e que tem por efeito vitalizá-lo, apesar e por causa da intensidade de sua dor. Já a melancolia que transmite o grito de Maria, é o de uma entrega à morte sem resistência. É isto que promove uma vontade de morrer em quem o ouve. Na comparação destes gritos, aparecem diferenças de graus de afirmação da vida, mesmo e sobretudo diante da morte. É o aprendizado de que até nas situações as mais adversas é possível resistir ao massacre do desejo em sua potência criadora e continuar querendo conexões. Os  gritos de Maria e Lulu associados transmitem este aprendizado ao ouvinte e o contagiam.
             
              Não pude pensar nada disso quando Deleuze me sugeriu este trabalho. Talvez porque sua figura me intimidasse, apesar de nada nele justificar qualquer atitude de reverência; mas mais provavelmente porque a ferida era recente demais para que eu abrisse mão da estratégia defensiva que havia armado como proteção contra o envenamento causado pelo trauma da ditadura militar. No entanto, a direção que Deleuze me apontou com Lulu e Maria instalou-se em meu corpo e foi trabalhando em silêncio, reativando os movimentos do desejo, viabilizando conexões e autorizando a criação. Quando cantei como um passarinho tropicalista, tornou-se audível que silenciara em minha voz o timbre mortífero de Maria diante do perigo de morte, e em seu lugar o timbre de Lulu voltava a soar. Eu já podia reconectar-me com meu corpo, falar através do canto de seus estados sensíveis, reintegrar na voz, o canto e a fala. Deleuze de fato havia sido meu esquizoanalista, ao lançar através do timbre de um grito no canto, a possibilidade de um efeito analítico, ainda que esta possibilidade tenha vingado muitos anos depois.
            Alguns meses após a morte de Guattari, escrevi a Deleuze evocando os tempos em que ele se dizia meu esquizoanalista e contando onde aquilo tinha ido desembocar. Como sempre, sua resposta foi de uma densa e generosa simplicidade, própria de uma fala onde não faltam nem sobram palavras. Numa carta de junho de 94, ele me escrevia: «Nunca perca sua graça, quer dizer, os poderes de uma canção».
            Ele queria de certo dizer que é sempre possível reerguer o desejo de suas falências e recolocá-lo em movimento, ressuscitando a vontade de viver; isto  depende prioritariamente dos agenciamentos que se faz. Oportunidades deste tipo encontram-se onde menos se espera, como é o caso de uma canção popular, geralmente desqualificada na hierarquia oficial dos valores culturais. Para detectá-las é preciso desinvestir este tipo de avaliação a priori e afinar a escuta para os afetos que cada encontro mobiliza como critério privilegiado na condução de nossas escolhas. Não será a graça exatamente a capacidade de deixar-se contaminar por este misterioso poder de regeneração da força vital, esteja ele onde estiver?
           
            A descrição das duas cenas, sua ligação e a problematização  de seus efeitos são a narrativa de um trabalho com o desejo que inclui partículas de Deleuze. Embora Deleuze esteja pessoalmente presente no relato, estas e outras partículas com potencial analítico transcendem evidentemente sua pessoa e sua morte. Elas pertencem ao seu pensamento e podem ser pinçadas em sua dispersão por toda sua obra, seus solos e também seus duos com Guattari.

Alice Ruiz & Luna semeando devires de suavidade



"...Hão de passar por mim todos os anjos
todos os sinos hão de repicar
e na hora precisa da passagem
o arco-íris se abrirá..."

£una

&&&&&&&&&&&&&&&

"Que o breve seja de
um longo pensar.
Que o longo seja de
um curto sentir.
Que tudo seja leve de
tal forma que o tempo
nunca leve..."

Alice Ruiz

&&&&&&&&&&&&&&&

"...a vida é um carrossel
com cada pedacinho em seu lugar
que nós crianças, cada cavalinho
queremos cavalgar..."

£una

Clarice Lispector e Dostoiévski : "conversa" de feras sobre as feras



"Se...
o mundo não
fosse humano,
também haveria
lugar para mim:
eu seria uma mancha
difusa de instintos,
doçuras e ferocidades,
uma trêmula
irradiação de
paz e luta."

-- Clarice Lispector –


Compara-se muitas vezes a crueldade
do homem à das feras, mas isso
é injuriar estas últimas.

Dostoiévski

Clarice Lispector... sobre as palavras




"As palavras me antecedem
e ultrapassam,
elas me tentam
e me modificam,
e se não tomo cuidado
será tarde demais:
as coisas serão ditas
sem eu as ter dito."

-- Clarice Lispector --




Clarice Lispector: Das vantagens de ser bobo



O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."


  Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.


O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.


  Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.


  Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"


  Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!  


Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.


  O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.


  Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!


  Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

23 maio, 2010

Eugénio de Andrade, in Vertentes do Olhar



A casa é branca, branca de cal 
(que de todos os brancos é o único que é branco), 
debruada de azul, por ser à beira-mar a cor da alegria. 
Branca e fechada – não vá o sol que arde nos telhados 
penetrar insidiosamente por alguma fresta e incendiar 
o silêncio melindroso da alcova. 

A obscuridade quase não consente a contemplação 
do rosto infantil que ali dorme até ao sol ter amansado. 
Só então desperta e se refugia nos braços que já o esperam.
Por este rapazito serias capaz de correr o mundo 
a pé-coxinho, se ele to pedisse, ou de entrar pelo buraco 
da fechadura só para o veres dormir.

Fragmentos de uma conversa "virtual" sobre Platão, Pluto e Plutão




Estranho né? 
Felicidade por um lado 
e tristeza por outro. 
Paradoxos da viva-vivida.

Por isso amo Deleuze e Guattari: eles ensinam 
que isso é imanente e não ...  necessariamente... 
doente!

Um referencial libertador 
que ajuda, e muito, a encarar 
as coisas da vida e a vida das coisas...

Assim consigo me sentir mais inteiro, 
ainda que feito de fragmentos...

Posso dizer que, para eles, não existe a idéia da transparência... 
mas sim a da imanência...

Assim, vejo, por vezes, que vc deseja uma translúcida 
visão dos fatos, onde nada escape e TUDO apareça... 
e seja explicitamente VISÍVEL (não necessariamente DITO, mas visível)... 
isso, nos termos dele... é impossível e ... diria eu, até indesejável... 
por vezes... já que não se pode viver num puro real e nem num puro fantasioso mundo... das realidades e idéias e ações puras e transparentes

... não há pureza...

há planos de afecção... afetação, de afetar... de produzir sensações
e produzir afetos... nem sempre reconhecíveis... 
assim... tão de pronto... enfim... 

Pureza diferente... sim. Uma nova pureza, despregada dos paradigmas reinantes... 
religiosos, artísticos, ligados a infância... esotéricos...
Uma pureza semelhante ao que o Guattari chama de nova suavidade...
Nisso eu também acredito, mas desde uma ótica de que não existem inocentes...

Uma pureza atômica, de átomo mesmo... 
plutônica (não é de pluto, 
o cachorro aquele, mas de plutão... o planeta da transformação.... 
kkkkkkkkkkkkkk...) e que eles  
não me ouçam... (isso sou eu falando) e não platônica.

Deleuze está mais, muito mais, para Demócrito do que para Platão... 
ele "detona" a filosofia das "idéias puras" de platão... affff... 

O bom e verdadeiro amigo não é aquele, embora também 
possa assumir esse papel eventualmente,
que conta piada e fala besteira
pra fazer vc rir e se "esquecer" da tristeza,
mas aquele que,
a propósito dela
e a respeitando,
te faz rir porque sabe
que vc não é SÓ tristeza.
Ele sabe, ainda-que-não-saiba-
que vc é um todo não totalizado...
Um todo fragmentado e por isso... único!
E ele conhece você.
Pronto"
Bem simples assim.

Lindo!
Tive isso de um amigo real hoje.
Falamos de tudo-junto.
E rimos também.
E com você, uma amiga virtual-real, isso também acontece...


21 maio, 2010

Aprendizagens com a morte, a dor e a paz






A morte:
- Pra onde você vai?
Vou sair daqui e me recuperar.
Vou encontrar-me com aqueles
que já se foram, antes de nós!

O desapego:
- Gostaria TANTO que você ficasse....
Mas sei que você precisa ir-se...

A compaixão:
- Sei que você precisa ir...
Vá, então, e não tenha medo!

A dor:
- Choro porque sinto saudade.
Choro porque amo você.

A aceitação
- Choro porque, apesar de tudo, aceito.

As aprendizagens:

*A paz pode estar inserida e misturada aos sentimentos
de dor que nos tomam em momentos
de grande intensidade afetiva.

*A paz:
Um discurso interminável, em silêncio!

*A fé, a crença, o raciocínio e a experiência em uníssono:
Nós não morremos!
Morrendo, não morremos...
A vida...
Continua...
Lá e cá








De John Donne:

Oh! Morte, que alguns dizem assombrosa
E forte, não te orgulhes, não és assim;
Mesmo aquele a quem visastes o fim,
Não morre; não te vejo vitoriosa.

Vens em sono e repouso disfarçada,
Prazeres para os que tu surpreendes;
E o bom ao conhecer o que pretendes
Descansa o corpo, a alma libertada.

Serves aos reis, ao azar e às agonias,
A ti, doença e guerra se acasalam;
Também os ópios e magias nos embalam,

Como o sono. De que te vanglorias?
Um breve sono que a vida eterna traz,
Golpeia a morte, Morte morrerás.




Na Ilha Por Vezes Habitada, por José Saramago




NA ILHA POR VEZES HABITADA

- José Saramago - 

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


.....................................

Como será que ele conseguir escrever isso?
rsrsrs

Tenho vontade de chorar 
de contentamento... 
e nunca mais párar, 
porque já senti isso 
em fragmentos 
de eternos 
...
de duração 
do tempo!

Mas não há lágrimas.
Só paz e PAZ...
E Serenidade, a irmã gêmea da paz..


...

Ohhhh, antes que alguém se apresse em dizer que
"são sonhos de onipotência..."
esclareço:
são instantes de eternidade... !!!



Preocupação, por Hammed









A estratégia da preocupação é nos manter distantes do
 momento presente, imobilizando as realizações 

do agora 
em função das 
coisas 
que poderão ou não acontecer. 
Assim, desperdiçamos tempo 
e energias com eventos do porvir, 
sobre os quais na verdade 
não temos 
absolutamente 
qualquer tipo de 
comando. 


São várias as preocupações 
sobre as quais não temos 
nenhum controle: a doença 
do outro, a alegria dos filhos,
o amor das 
pessoas, 
o julgamento alheio sobre nós, 
a morte das pessoas queridas.

Podemos, no entanto, 
nos 
"pré-ocupar" 
o quanto 
quizermos 
com as questões citadas, 
que não traremos a saúde, 
a felicidade, o amor, 
a consideração ou mesmo 
o retorno à vida, porque 
todas elas são coisas 
que fogem às 
nossas 
possibilidades.








Ainda outra questão é
quando passamos por
enormes desequilíbrios
causados pelo desgaste
emocional de nos ocuparmos
antes do tempo certo
com coisas e pessoas,
o que ocasiona insônia,
decepções e angustias
pelo temor antecipado
do que poderá vir acontecer
no amanhã.

Não se deve confundir
"pré-ocupação" com "previdência",
porque se preparar ou ser precavido
para realizar planos futuros
é tino de bom senso e lógica;
mas prudência não é preocupação,
porque enquanto uma é sensata
e moderada, a outra é irracional
e tolhe o indivíduo, prejudicando-o
nos seus projetos
e empreendimentos de hoje.


** Hammed **