16 julho, 2010

Fernando Pessoa inspirado por Nietzsche? ou sobre não querer nada...



Lisbon Revisited



NÃO: Não quero nada. 
Já disse que não quero nada. 


Não me venham com conclusões! 
A única conclusão é morrer. 


Não me tragam estéticas! 
Não me falem em moral! 


Tirem-me daqui a metafísica! 
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas 
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — 
Das ciências, das artes, da civilização moderna! 


Que mal fiz eu aos deuses todos? 


Se têm a verdade, guardem-na! 


Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. 
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. 
Com todo o direito a sê-lo, ouviram? 


Não me macem, por amor de Deus! 


Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? 
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? 
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. 
Assim, como sou, tenham paciência! 
Vão para o diabo sem mim, 
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! 
Para que havemos de ir juntos? 


Não me peguem no braço! 
Não gosto que me peguem no braço.  Quero ser sozinho.  
Já disse que sou sozinho! 
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! 


Ó céu azul — o mesmo da minha infância — 
Eterna verdade vazia e perfeita!  
Ó macio Tejo ancestral e mudo, 
Pequena verdade onde o céu se reflete! 
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! 
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. 


Deixem-me em paz!  Não tardo, que eu nunca tardo... 
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Fernando Pessoa - Álvaro de Campos -

















Soneto à Sombra de Nietzsche

<< Afonso Estebanez Stael >>

Hoje não quero nada de ninguém!
Nem compaixão, nem flores, nada enfim...
Tudo se esquece ou é ilusão. Porém,
eu sei que Deus vai-se lembrar de mim.

Passa o amor e fica esse desdém
nas sombras fugidias do meu fim...
Ah, pássaros que emigram para além
do amor que é gêmeo, mas não é afim...

Não quero nada. Nada! Nem lembrança
nem presente ou promessa ou esperança
nem vago instante que pareça festa...

Quero apenas que Deus me dê a graça
de brindar em silêncio numa taça
a glória de viver do que me resta!






Um comentário:

Kátia disse...

Cruzes!!! Não há maior loucura que a extrema lucidez.
Hahahahahahahahah!

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