16 setembro, 2010

Teatro: A Máquina de Abraçar, ou sobre um devir autista




Uma peça absolutamente extraordinária: excelente, 
do início ao fim (fim? - Não! Porque ela continua em nós depois que deixamos o espetáculo 
- ESPETÁCULO - cheios de indagações, inquietos e vivos, cheios de uma nova vitalidade expressiva, contaminados, contagiados que ficamos frente aos multiplos platôs que nos lança. Alça! 

A Máquina de Abraçar é um analisador, um dispositivo - Máquina de Guerra - um conjunto 
disruptor que coloca em cheque não só o próprio teatro, como arte e expressão (de expressão), 
mas sua linguagem e operacionalização; coloca, também, 
em "crise" as práticas e os modos de funcionamento da linguagem, 
do silêncio, da Psicoterapia, da apresentação de trabalhos 
em Congressos, do Autismo como síndrome e/ou diagnóstico, bem como 
a política e os políticos "donos do mundo".

Multifacetada, policromática, a peça é uma 
AULA de Esquizoanálise e Filosofia da 
Diferença, nos jogando numa corrente de devires micropolíticos: fluxo de intensidades 
que rompe identidades e papéis esterotipados e "seguros" nos modos operandis instituidos.
O poder e os usos que dele se faz - e fazem - estão na pauta TODO O TEMPO em que as duas atrizes, excelentes, contracenam: estupendo.
Das melhores coisas que já vi e assisti até hoje 
(sem exageros!).

Como me atravessou essa peça?
Antes mesmo de iniciar, abateu-se sobre mim uma irritação: o atraso, que não sei se foi 
proposital e intencional - ou não. Cerca de quinze minutos, com as pessoas esperando em 
fila, feito porquinhos da Índia, com o teatro AINDA fechado quando já estava na hora de TER 
iniciado a peça. Pensei na institucionalização do atraso, 
tão em voga aqui no Brasil, onde "tudo" começa atrasado.

Depois, foi surpreendido pela entrada, vinda diretamente do local de acesso da platéia, 
para um palco já iluminado e vazio, da atriz que faz a médica psicoterapeuta.
O estranhamento continua quando ela se refere a nós, o público, como se fôssemos 
profissionais num congresso de medicina, psiquiatria, para, logo depois, também, 
desconstruir essa idéia, nos colocando no lugar de público leigo e diferenciado, já que 
suas práticas profissionais seriam tão heterodoxas a ponto de fazer correr e tirar 
"do Congresso" a maioria dos ditos profissionais, 
chocados que estariam, com as provas e revelações que ela estaria fazendo ou por fazer..

Já aí começa uma crescente 
desinstitucionalização dos lugares, saberes e modos de perceber e sentir. Rompe-se a 
linearidade e somos jogados para dentro do palco, de nós mesmos e  da própria peça em si,
 e somos convidados a nos des-reconhecemos como espectadores...

Logo no início, também, ela institui o TEMPO como uma marca que continuaria ao longo de 
todo o ESPETÁCULO. Tempo de afetos. Tempo de relógio cronometrado, já que anuncia a 
entrada da pessoa portadora de Autismo dentro de 22 minutos, tempo esse quebrado (já que 
sua paciente, que faria um relato - sim, uma Autista que rompeu com o silêncio - e com a 
escuridão rumo as luzes e luminosidades... numa longa viagem - e passou a usar da 
palavra para se comunicar... ). 
Tempo indizível. Tempo de duração elástico. 
Tempo de falas, de silêncios, de vínculos, de tropeços, de,  
de ... de...

A mim, que sou "da área", psicoterapeuta e que possuo práticas heterodoxas, não causou 
espanto ela se referir à sua paciente como "paciente e amiga". Aqui no blog tem vários 
artigos, textos e citações que se referem à noção Foucaultiana de "amizade como modo de 
vida"...  pelo contrário: convidou-me, ainda mais, a abrir os olhos (o coração e as 
sensações) e esticar as orelhas!

Nessa peça circulam muitos devires: animal, planta, atômico, homossexual, 
mulher, literatura, comunicacional, terrorista... só para citar alguns...  

Na sociedade de controle e de consumo, onde os desejos 
são criados maquinicamente - produção de subjetividade, de Feliz Guattari -
e se confundem com o sujeito desejante através do consumo de palavras, formas de expressão, 
mercadorias, maneiras de amar, viver, comer, comprar, escutar, 
obter serviços profissionais... etc, etc, etc e tal, esse Texto da peça
joga uma bomba de singularidade 
e convida incessantemente a pensar e acreditar que 
Outros Mundos SÃO POSSÍVEIS  nesse nosso mundo.
Não só pensar e acreditar: fazer!

Um devir autista, em nós?

Não vou me estender mais. Essa peça É PARA 
SER VISTA, ouvida, sentida, percebida... 
acolhida, guardada...

Abaixo os links para o site onde encontramos 
entrevistas com as atrizes (e diretora) 
falando sobre as personagens e sobre todo o 
processo de confecção da peça.
Uma peça indiscutivelmente estudada e criada 
de forma artesal e singular.

Nas entrevista, elas põem em evidência algumas tópicos:

- o Autismo como mistério, desconhecido das ciências, neurociências...
O estranhamento inicial... será QUE É uma 
peça de teatro... uma palestra?

- A oposição das personagens, sua 
duplicidade : A autista com ausência do desejo, da 
comunicação... associada às plantas, ao jardim, 
à imobilidade e ao silêncio...

A médica associada ao animal... a 
predadora... caçadora, quer capturar o público... demasiado humana
quer ser reconhecida pelo poder instituido ao 
mesmo tempo em que o questiona ferrenhamente. 

"... diálogo de poderes e soberanias..."
Marina Vianna (Atriz que faz a médica)

- A palavra,  seu lugar... o silêncio...
a não produção da metáfora... pelo Autista
O mistério do tempo diferente...
Não há causa e efeito... relações de tempo esticadas... tempo não linear...
a duração do tempo é... outra...

- A antropofagia... devorar, comer, engolir, alimentar-se...

"Mágico... quase um milagre!"
Mariana Lima  (A atriz que faz a Autista)

Os links:




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