18 outubro, 2010

Conversando sobre o irresistível, chá ou café e Duna.





"Há pessoas que nunca participam. A vida lhes acontece. Dão um jeito de arranjar-se
com pouca coisa além de uma cega persistência, e resistem com raiva ou violência a tudo
que poderia afastá-las das rancorosas ilusões da segurança.
-Alma Mavis Taraza"

"A compreensão imediata é geralmente uma resposta-reflexo, e a mais perigosa forma de
entendimento. Lança uma tela opaca sobre a capacidade de aprender. Os precedentes de
julgamento da lei funcionam desse modo, atulhando o caminho de becos sem saída. Fique
de sobreaviso. Não entenda nada. Toda compreensão é temporária.
- Fixe Mentat (adacto)"


(Duna. volume VI)

- Depois que se aprende a resistir ao irresistível,
obtém-se um poder que transcende as palavras!

- Não acredito nisso. Sei que você pode usar delas
para descrever ISSO que diz ser transcendental...
logo você que vive falando em IMANÊNCIA!.
 Já fez isso noutras ocasiões.

- Como posso dizer?

- Esforce-se.

- Entrar nos portais do autoconhecimento (SÓ PARA USAR UMA PALAVRA EM VOGA E BEM RECONHECÍVEL).
Saber, NO SENTIDO DE IDENTIFICAR, CONHECER, PERCEBER, SENTIR seus pontos fracos, fortes, vulnerabilidades..
Aceitar e ponderar... com a mente E com o coração,
sobre as razões e motivos últimos, intermediários e iniciais
que o levaram aos fatos que se tornaram irresistíveis
E... APREENDER A RERSISTIR a eles e obter algum controle e poder de decisão.

- Papo de aluno do mago.

- Vai começar de novo com as provocações?
Você ainda não apreendeu.
Vá estudar sobre "A Esfinge"e (se) experimentar mais...

- Já li esses textos várias vezes!!

- Ler não é sinônimo de assimilar. Por vezes se faz necessário retomar as leituras mais tantas e tantas vezes.
Você é muito suscetível, não ao outro, mas a si próprio.

- Odeio você quando está assim afiado.

- Mentira. Ama-me.

- Está bem, pode ser.
Mas, diga-me: por que gosta tanto de falar no tal do irresistível se,
aparentemente, veja, estou dizendo aparentemente, já aprendeu a resistir a ele?

- Uma boa pergunta. Porque o irresistível bate a nossa porta...

- Nossa... ou sua?

- Nossa, mas,ok, talvez eu seja mais... sensível (?) às investidas dele, já que muito me atraio pelo (que é ou está) enigmático, misterioso, difícil de elucidar.
Esse "decifra-me ou te devoro" tem algo de ... poder, malícia, jogo, mentira-verdade, atração magnética, invisibilidade... que me é deveras sedutor.
O propósito mesmo da sedução me seduz. É algo inerente ou, se você preferir, já que fez menção a isso, imanente.
Seduzir-se e seduzir e ser seduzido estão em planos de imanência, um para com os outros.

- Não acho que você seja assim tão sensível (?).
Acho que é um exagerado e... vive querendo voltar a assuntos, interminavelmente.
Tem gosto pela polêmica.

- Parece uma acusação.

- É mais uma... provocação.

- Depois sou eu que gosto de polêmicas.

- Eu não as vivo. Só as penso.
Talvez essa seja a nossa diferença.

- Então está se contradizendo.

- Como assim?

- Faz pouco dizia que sou exagerado e não, sensível...

- É você quem vive falando em contradições, complementaridades e em dialógicas.

- Não se esquive da contradição. Esse é o primeiro passo para vê-la como realmente é: uma condição de existêcia. Da existência humana.

- De novo com as palavras grandiloquentes do mago.

- Até parece que você não é aluno dele.

- Discípulo!

- Esta também é uma diferença entre nós. Eu aprendo e transformo o que ele me ensina amavelmente.
E você reproduz. Quer técnicas, rituais, poções, receitas.

- Está insinuando que não tenho inteligência criativa?
E que sou dependente de textos-fórmulas?

- Não, estou afirmando...
Afirmando que você é um “cético pragmático".

- Começo a me sentir ofendido.

- Sinta-se. Qual o problema com isso? É muito para o seu Ego?

- Se eu fosse cético não estaria numa escola de magia.

- Você sabe tanto quanto eu que esse é um “eufemismo” para caracterizar formas diferenciadas de se aproximar do conhecimento, da sabedoria, do entendimento... de sensibilidades outras que emergem...

- Muito vago pro meu gosto.

- É porque você não gosta de filosofia, embora adore o confronto (risos). E você também não gosta muito... das artes.

- Falta só me chamar de burro e analfabeto. Iletrado, seria melhor! Combinaria mais com você...

- Essa é uma das suas formas de dizer "decifra-me ou te devoro". Gosta de seduzir... provocando-me e se vitimando, formas associadas de me manter nessa conversa. Um ganho secundário?

- Não sou histérico (sei que você preferiria "histriônico") para obter ganho secundário.

- E não precisa ser.

- Sabia que ia dizer isso!

- Claro, você já me conhece bem.

- Ok, mas voltando...
É ganho primário... (risos)
Porque ambos temos gosto por conversas ácidas, intermináveis, retomáveis, questionantes, enfim...
Ambos temos o gosto desenvolvido para questões pouco comuns. Não que o mais ordinário e comum dos homens não os passa ter, também, claro.

- Claro.

- Voltando ao irresistível.
Como e onde acha que ele bate tanto assim às nossas (sempre abertas?) portas?

- Você sabe que o desejo é produzido, fabricado, modelado...

- Sim, na e pela mídia. Nas relações sociais, amorosas, profissionais, familiares...

- Novos produtos sempre sendo renovados e criados. Tecnologia que fica obsoleta em questão de meses; roupas e acessórios exóticos, oficiais, informais, profissionais de todos os tipos; jeitos de viver, amar, trepar, falar, comer, correr, andar... até mesmo respirar... há cada vez mais gurus e pseudo-gurus falando sobre a importância da respiração CORRETA... para oxigenar o sangue, purificar os pulmões, não sobrecarregar o coração...até a os médicos já incorporaram esse tipo de jargão.

- Isso sem esquecer dos radicais livres...

- Sim, e da importância de exercícios físicos para uma vida saudável e com qualidade de vida...

- Estamos constatando? Debochando? Ambos? Ou o quê é mesmo que estamos fazendo? (risos)

- Estamos verificando como não existe liberdade nas "coisas da vida" e como as liberdades podem furar essa “vida das coisas” quando aprendemos a  r e s i s t i r.

- Resistir como sinônimo de aguentar sem-essas-coisas. Uma resistência política e não psicanalítica!.

- Ok. Um... outro... poderia dizer "mas eu não posso mais viver sem meu computador e a internet."

- Eu diria: nem eu! (risos)
Mas, veja, nem por isso preciso - preciso - ter orkut, facebook, twitter, MSN e mais outras das dez novas redes sociais que estão sendo criadas quase mensalmente.
Também não preciso do celular de última geração, nem ir à academia para caminhar (caminhar!). Também não preciso assinar cinco jornais e mais cinco revistas e escutar os telejornais (trágico-cômicos) em outras tantas emissoras para estar "atualizado" e ter "assunto" para falar com as pessoas.

- Deixa-me continuar... também não preciso trepar cinco (cinco? Sete!) vezes por semana para ME certificar de que ainda sou potente e que minha mulher, amante, namorada, companheira não vai me abandonar e trocar pelo primeiro "tanquinho" que aparecer pela frente...E para, além disso, provar a ela que ainda sou o ... galo? Homem:? Tal?
(Uma pausa agora: sabe que ouvi dizer que as garotas de 14 a 17 anos, tipo, chegam nas festas e levantam a camiseta dos garotos DESSA MESMA IDADE para ver se tem tanquinho? Se não tiver... tá fora do mercado de desejo e atração (da moda). E eles, por sua vez, os garotos, dizem que dá o maior trabalho fazer o tal tanquinho e que, basta três a quatro meses sem praticar na academia ... e o tal tanquinho... desaparece... vira... máquina de lavar roupa.... (risos)
Ahhh e a mulher também não precisa ter orgasmo todas as vezes para SE certificar que não é reprimida, frígida (eta palavra horrível essa!), antiga, desatualizada... enfim e que seu homem, companheiro, amante, namorado vai trocá-la por uma poposuda, mulher melancia, melão, uva, cereja...

- Pela cereja eu trocaria. Mas. como é mesmo a mulher cereja?

- Deve ser baixinha, vermelha do sol sem protetor e seca. De suculenta e gostosa, só na sua fantasia.... (risos)
Mulher jaca... ah não, jaca não dá... enfim... mulher fruta qualquer coisa.

- Ou seja, veja de quantas maneiras o irresistível bate à nossa porta. Imagine não receber uma ligação ou uma mensagem de texto durante TODO UM ETERNO E INTERMINÁVEL final de semana. É morte (psíquica e social) certa.
Ou depressão. Daí para um diagnóstico de bipolar falta pouco.

- Claro. Cada época histórica provoca e produz seus transtornos psíquicos, próprios e peculiares.

- Quais seriam os de hoje?

- Transtornos de humor, sendo a depressão e o transtorno bipolar "o máximo".
As fobias, os transtornos (esteticamente produzidos) ligados a alimentação, tipo, anorexia e bulimia e os inegáveis transtorno de atenção (DDA) e hiperatividade.
Pobres crianças. Crescem e convivem com pais sem pausa e stressados...

- E, muito bem lembrado! O stresse, ou stress, in inglish... outra das doenças da moda e dos tempos correntes.
Não se vê mais histéricas e obsessivos como nos tempos do Dr. Freud e seus seguidores?

- Claro que sim, mas ter TOC, o novo nome que designa Transtorno Obsessivo Compulsivo... não dá ibope. O sofrimento e as características desse sofrimento psíquico são... muito... chatos... as pessoas evitam esses malas... pois são muito... indecisos, ruminantes, ritualísticos, rígidos de personalidade... comportados! Enfim... não é possível se relacionar com eles... (risos)

- Não mais te aguentando...

- (Risos) Sim, "a perigosa lucidez" tem algo de insuportável... e de insuperável, já que, nesse segundo sentido, ficamos MENOS à mercê dessas forças capturantes e engessantes de ... ser diferente e estar diferente disso tudo... melhor dizendo... de tentar, mesmo que minimamente, buscar algumas diferenças na maneira de viver a própria vida.

- Também podemos falar sobre as drogas, o crack e as dependências químicas.

- Sim, outras doenças socialmente produzidas (apesar das descobertas sempre inéditas das neurociências)...

- Estou sentindo uma crítica aí? Uma ironia?

- Não, está assistindo a um "assinalamento".

- Você se saiu muito bem dessa. Politicamente correto!

- Prefiro politicamente verdadeiro, mas nem sempre dá para sê-lo, não é mesmo?

- Sim, uma das contradições.

- Exatamente.

- Também tem as psicoses, os surtos...

- Esses estão em franca decadência, quando comparados estatisticamente e clinicamente com os "quadros nosológicos" que falamos antes... apesar do número de assassinatos e crimes passionais estarem aumentando exponencialmente.

- Saúde mental, sociedade, e violência: um estudo transdisciplinar. Deu o nome de um curso... (risos)

- Que teria muitas horas de duração.
Mas podemos falar sobre isso outra hora. O que acha de tomarmos um café EM SILÊNCIO?

- Acho uma excelente idéia.

- Então vamos.

- Ahhh, mas café à essa hora? Acho que vou tomar um chá descafeinado, senão não durmo mais!

- Acabou de fazer exatamente o que estávamos falando,  ou melhor, questionando e criticando...

- Mais uma contradição? Não se preocupe. Somos humanos!
Mas não humanos demasiadamente humanos. Já somos um pouco... outra coisa. (Risos)
Vamos.

- (Risos) Vamos. Um no chá e outro no café. Talvez eu também vá de chá. Você me contamina. (risos)

- Ainda bem, sinal de que somos e estamos vivos e abertos.

- Só para não perder a prática, deixe-me citar uma trecho de Duna. Volume III:

"Eu lhes dou o camaleão do deserto, cuja habilidade em se confundir com o terreno
lhes revela tudo o que precisam saber a respeito das raízes da ecologia e dos 
alicerces de uma identidade pessoal.
Livro de Diatribes, das Crônicas de Hayt"

- Bárbaro. Deixe-me citar-lhe outra:

"Para conhecer bem uma coisa, teste seus limites. É somente quando forçada além da
tolerância que se revela sua verdadeira natureza.
- O Código Amtal
Não se apóie apenas na teoria quando sua vida estiver em jogo.
- Comentário Bene Gesserit"

- E, para finalizar, mais uma. Essa é pra matar:

Um princípio básico guia a Missionária Protectiva: instrução propositada das massas.
Isso é baseado firmemente em nossa crença de que a finalidade de um argumento deve ser a
de mudar a natureza da verdade. Nessas questões, preferimos o uso do poder ao da força.
-O Coda
(Duna. Volume VI)


- É o que estamos vivendo. É o que a mídia faz. 
Não só a mídia oficial, de fora de nós. Mas a a que já entrou em nós também.
E essa é a mais perigosa, porque é acrítica e tem medo de pensar, questionar... enfim...
Que horror.
Vamos ao café, ou chá. Chá, talvez.


(De "Conversas de Iniciados do grau sétimo." p. 235)



3 comentários:

Kátia disse...

Suas palavras, Cesar, têm sempre muito sabor. Um gostoso sabor meio agridoce. Com esse seu jeito brincalhão, criativo e inteligente, você acaba, de uma certa forma, adocicando suas palavras para retratar realidades bem amargas. E seus flashes são verdadeiras pistas... para pensar.

Afff, e como o poder de persuasão da mídia acaba por preecher o vazio social de muitos, não acha? Nesse caso, ela é utilizada como fuga para mascarar as dificuldades do cotidiano dessas pessoas. Aqui uma mistura nadica perfeita do ácido e do doce.

A influência da mídia, para quem não possui senso crítico para julgar de forma diferente da ótica proposta, nhaaaaaaac...acaba sendo devorado por ela pela quantidade de ilusão. Somos irresistivelmente dragados.Temos sim que analisar sobre as razões e motivos que nos levaram aos fatos que se tornaram irresistíveis e absorver o que julgarmos ter mais compromisso com a verdade. É assim que aprendemos a resistir as coisas incomíveis.

Ah, mas o que quero dizer mesmo é que esses personagens do seu post são por demais da conta apaixonaaaaaaaaaaantes. Hahahahahahahahahaha!

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Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Eu também os acho apaixonantes e sou um tanto quanto apaixonado por eles, quando os estou usando para ... os assuntos de que se (me) ocupam (ocupo).
Essa turminha do Mago e seus alunos e discípulos é mesmo muito engraçada e agridoce (por causa da língua alemã, na qual me iniciei (fui iniciado) na fala, às vezes, tantos anos depois, ainda tenho dificuldade em pronunciar... eu dizia aCridoce... rs).

Acho sim: preencher o vazio social de muitos com idéias distorcidas, incapacidade para pensar por fazer-acreditar em verdades prontas e já previamente digeridas, mas, na verdade, como você bem disse, incomíveis. Um horror.

Devorado: sim! Dragados e drogados!

Também sou apaixonado pelas suas visitas e comentários aqui.
Ratificam. Retificam. Desafiam...
Uma convivência - cheia de compartilhar - também aGridoce, mas mais doce, muito mais doce, do que agri. kkkkkkkkkkkkkk

Kátia disse...

A M O ler você!!!

Ora, que se derrame sobre nós o agri e o doce. Que nos façamos sempre renovados, de almas limpas para que possamos ser, um para o outro, uma presença atrativa e desejada.
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