22 abril, 2012

Eu alquimista de mim, por Clarice Lispector, ou sobre a filosofia do bambu



nome da imagem: baboo texture

Eu alquimista de mim...

Eu, alquimista de mim mesmo.
Sou um homem que se devora?
Nao, é que vivo em eterna mutação,
com novas adaptações a meu renovado
viver e nunca chego ao fim de cada
um dos meus modos de existir.
Vivo de esboços não acabados e vacilantes.
Mas equilibro-me como posso
entre mim e eu,
entre mim e os homens,
entre mim e o Deus.

Clarice Lispector


 


Por ter raízes profundas, o bambu chinês consegue enfrentar uma tempestade sem se quebrar. 

A semente do bambu quando plantada, não desabrocha rapidamente para fora da terra. Ela tem o seu crescimento no subterrâneo durante quatro anos, e fica para fora da terra somente um broto muito pequeno. 

Durante esses quatro anos, a raiz cresce e torna-se forte, procura formar um alicerce cada vez mais forte, coloca as raízes na direção onde consiga mais água e substancias que irão fazer com que cresça. 

Ao fim do quarto ano, o broto começa a desenvolver-se e é capaz de atingir 25 metros num ano, o mesmo comprimento que têm as suas raízes. Ele torna-se alto, fino e oco por dentro e por causa destas características, consegue enfrentar uma tempestade ao dobrar-se perante os ventos fortes. 

Porque falo do bambu chinês? 

O ser humano está cada vez mais imediatista e quer que as coisas aconteçam num piscar de olhos como se fosse esfregar a lâmpada maravilhosa de Aladino e tudo aparecer! 

O bambu ensina-nos que, para se atingir lugares cada vez mais altos, é preciso primeiro fazer os alicerces buscando a formação, tanto espiritual como profissional, e direcionar as nossas “raízes” para os objetivos. 

Podemos aprender também que, assim como a semente do bambu chinês leva quatro anos a criar o seu “alicerce” para depois no quinto ano crescer para o alto, as coisas não acontecem de um dia para o outro, são precisas semanas, meses ou até anos para se ver algum resultado e entender que as oportunidades de sucesso aumentam quando cuidamos bem do “broto do bambu”. 

Ao agir assim, o quinto ano chegará e muitos vão dizer que é sorte ou que alguém ajudou. Na verdade as pessoas dizem isto porque não acompanharam o crescimento das “raízes”. 

Há mais dois ensinamentos a que devemos prestar atenção! 

Primeiro ensinamento: quando digo que o bambu é oco, não estou a querer falar do conteúdo, já que este está nas raízes que demoraram quatro anos para crescer. Oco, no ensinamento do bambu, quer dizer uma pessoa flexível que consegue pensar diferente, livre de rancores e ressentimentos que apenas atrapalham a renovação constante do ser. 

O segundo ensinamento é que por o tronco ser alto (bem preparado), oco (flexível, sem rancores e ressentimentos) e ter raízes profundas (ter conhecimentos e uma boa conduta ética) o bambu consegue enfrentar uma tempestade sem se quebrar. 

Vamos refletir sobre isto com a epígrafe da semana: 
Qualquer árvore que queira tocar os céus, precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos. 
(Carl Gustav Jung) 


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Acredito que "a vida das coisas" determina ritmos, tempos 
e até mesmo espaços de adaptação: eventos, situações, 
pequenas e grandes tragédias que acontecem na nossa vida... 
nos forçam, convidam, estimulam a buscar
novas formas de adaptação.

Penso que em muitas situações é preciso mesmo ter raízes profundas,
gestadas pela passagem do tempo, para se recompor e redefinir 
estratégias de vida e de sobrevivência. 
Acontece, por exemplo, quando alguém que gostamos, amamos...
nos é tirado e o perdemos, seja pela morte, seja pela vida.
Pessoas que se vão... e nos deixam num vazio...
Um vazio oco que está preenchido de experiências
e de cotidianos e de afetos e de conversas e de
companhia que não vão se repetir...
Achamos que vamos morrer também
- tamanha a sensação de término, dor e perda -
para, depois, descobrirmos que podemos sobreviver...
e, mais adiante ainda, descobrirmos que podemos
viver (já não sei se nessa sequencia linear 
 (primeiro uma coisa e depois a outra, já que, por vezes, 
esses estados podem estar sobrepostos, ou seja, 
sobrevivemos e vivemos ao mesmo tempo)!

A analogia com o bamboo e seu desenvolvimento é muito rica e está 
bem expressa no texto acima, de autoria de Maria Luisa Albuquerque.


No entanto, penso que até mesmo de ressentimentos, mágoas e frustrações 
(re) criamos ações adaptativas, já que elas podem ser fonte de 
novas e inéditas posturas em relação aos fatos e acontecimentos 
com os quais vamos nos deparando; nos confrontando...


Penso que há situações em que as raízes nascem espontânea e 
rapidamente, acontecimentos que tem sabor de tempestade e que 
convocam a ações imediatas (não necessariamente imediatistas):

o ônibus que não parou na parada e nos deixa mais meia hora esperando; 
a faxineira que não veio e nos deixou com a casa suja e empoeirada 
por mais um período de tempo; o livro que queremos reler ou que tem aquela citação 
que queremos colocar num post; a irritação que nos abraça quando 
vemos mais fotos de animais do que de pessoas no dia-a-dia do Facebook; 
o grande incômodo que sentimos quando vemos, constatamos 
e somos afrontados com a crescente banalização dos vínculos, afetos 
e formas de comunicação que estão em expansão na sociedade líquida
(Zigmunt Bauman); a chuva que chega sem aviso, inesperada e violentamente, 
nos deixando molhados ou trancados... à espera de que passe... 
dentre outras tantas possibilidades inesperadas.

Também acontece que temos hábitos formados por raízes profundas, 
gerados e repetidos por anos e anos...
esses são muito difíceis - mas não impossíveis - de serem 
mudados: eles podem ser um desafio ao surgimento de oscilações 
no caule do nosso bambu: ventos que sopraram com força e intensidade variáveis 
e que nos desafiam à busca de um novo equilíbrio, aqui entendido não como um 
número que está no meio de zero e cem...

Assim, as raízes são fundamentais para que nos sintamos fortes, seguros e com meios para podermos nos adaptar com flexibilidade, oscilando entre diferentes lados para manter a estabilidade e as nossas condições de existência. São, também, elas, as raízes... fundamento para repetirmos velhos e arcaicos padrões de adaptabilidade, negando-nos às possibilidades de nos dobrarmos às 
circunstâncias que vão aparecendo...

Manter as raízes é uma necessidade.
Arrancar as raízes, também.
Semear (e esperar) novas raízes, também.

E aqui repito um tema já comum em outras postagens:

Raízes no chão e asas no céu.
Raízes no céu e asas no chão.

Ao hipotético leitor desse post quero dizer:
Seja conforme.
Seja disforme (deforme: que perdeu a forma própria, ou quem sabe, a fôrma própria).
Seja informe (sem forma)!
Simultaneamente!

Um alquimista...



2 comentários:

Creme de Letras disse...

EU ACRESCENTARIA: oco, no sentido de estar totalmente despido de preconceitos para conseguir ter tal flexibilidade ( entendimento das coisas)!!

Kátia disse...

Um alquimista...

O poder alquímico (todos possuem) é o que nos dá a flexibilidade do bambu, não quebramos.
Apenas dobramos a força dos diversos ventos e transmutamos os efêmeros dissabores.

A flexibilidade é uma aprendizagem. Nos leva a relacionar de forma mais madura, com mais,
muito mais aceitação e respeito a cada ser humano com suas particularidades e diferenças,
e, também, com nós mesmos.

A alquimia é o ritual transformador, no qual rompemos os nossos limites pré-estabelecidos.
É o reposicionamento diante de nossas ações, diante de nossas decisões, diante do futuro.

Pode repetir sempre:

“Raízes no chão e asas no céu. Raízes no céu e asas no chão.”

Equilíbrio, flexibilidade, transmutação, fluidez...

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