14 janeiro, 2015

Nietzsche: O além do homem, o além do humano, do ser humano (super-homem) e +


Me sentindo provocado por uma postagem no Facebook, feito por uma amiga... resolvi procurar e achei esses três belos textos de , os quais copio abaixo... na íntegra e com todas as imagens e créditos para o autor supracitado no seu blog

Nietzsche – o além-do-homem [ou, o super-homem]      

"Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizestes para superá-lo?” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13
Matteo Pugliese
Matteo Pugliese

Por que demoramos tanto para falar do super-homem? Bem, não é tão fácil, este conceito tão famoso de Nietzsche (e tão mal interpretado) exige a articulação de tantos conceitos que seria impossível começar por ele. São necessárias a noção de Eterno Retorno, como ferramenta para se chegar ao Super Homem, a ideia de amor-fati, para superar todo o ressentimento, e, claro, o conceito de Vontade de Potência.
É por isso que aconselhamos antes a leitura destes textos, sem eles, jamais teríamos a capacidade de entender o que significa dizer que “o homem é uma corda, atada entre o animal e o super-homem – uma corda sobre o abismo” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13). Nietzsche matou Deus, e agora quer dar fim aos seguidores dele:
“Grande, no homem, é ele ser uma ponte e não um objetivo: o que pode ser amado, no homem, é ser ele uma passagem e um declínio” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13
As duas traduções mais comuns para Übermensch são super-homem e além-do-homem; nenhuma delas é perfeita, mas as duas trazem a ideia de superação, de alguém que se eleva, a criação de um novo tipo. Usaremos aqui os dois nomes como sinônimos. O super-homem não é uma forma superior de homem, mas é aquele que deixa a forma homem para trás, se desfaz desta casca que se tornou demasiadamente apertada.
Ao desenvolver este conceito, Nietzsche estabelece plena oposição com o europeu moderno. Este é o alvo de sua crítica, o filósofo também o chama de último-homem, ou homens-superiores. Zaratustra ridiculariza este homem apaixonado por sua cultura, suas leis e seus valores cristãos (já escrevemos aqui sobre a psicologia do homem do ressentimento). O último-homem (último poque depois dele vem o além-do-homem) é o europeu domesticado, obediente, anestesiado, entupido de cultura, aferrado ao seu tempo. Este está em franco declínio, e Zaratustra ama aqueles que querem declinar, pois é deles que nascerá o super-homem: valente, impetuoso, ativo, vivaz.
O niilismo está em seu estágio mais avançado: o homem não quer mais ir para além de si, não quer criar, “seu solo ainda é rico o bastante para isso, mas um dia este solo será pobre e manso, e nenhuma árvore alta poderá nele crescer” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 18). O super-homem é aquele que vence o niilismo, supera a forma homem, velha e desgastada, supera todos os humanismos, toda a cultura que o prende em si mesmo, é ele quem “lança a flecha do seu anseio por cima do homem” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 18). Já o homem do ressentimento é aquele cujas forças reativas predominam, ele é escravo de seu tempo, não consegue ir para além da conservação.
O homem moderno orgulha-se demais de si próprio, está acomodado, conformado, abraça seus ídolos supersticiosos como único meio de sobrevivência. Chegamos ao extremo da massificação e uniformização. Também existe, claro, muito medo e insegurança, poucos aventureiros. O valor dos valores deve ser revisto: é afundados nesta sociedade moralista que devemos viver? Não! A afirmação do super-homem é a negação dos valores vigentes: ousadia no lugar de segurança, auto-disciplina ao invés e auto-piedade, esquecimento em vez de ressentimento. Zaratustra aconselha ao homem mergulhar dentro de si para encontrar a potência necessária para declinar, deixar esta forma velha e empoeirada e criar novos valores. Isto fica claro nesta famosa passagem:
Eu vos digo: é preciso ter ainda o caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante, eu vos digo: tendes ainda o caos dentro de vós” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 18
Matteo Pugliese5
Matteo Pugliese

O além-do-homem é aquele que supera todo o ressentimento, é a criança da última das três metamorfoses, é a inocência do devir. Todos os modelos são deixados para trás, todos os ídolos são quebrados: só há espaço para a criação. O homem se torna artista, dono de si; não qualquer espécie de ditador, desmentindo qualquer vínculo com o nazismo (pobres daqueles que leram duas linhas de Nietzsche e o acham pessimista ou próximo do nazismo, este ainda tem um longo percurso pela frente).
O super-homem é aquele que apreendeu o verdadeiro sentido do eterno retorno: o retorno da diferença. Há um completo domínio das forças reativas, elas obedecem ao além-do-homem, faz-se uma herarquia. As forças que querem criar se tornam mais fortes que as forças que querem conservar. Expressão da diferença no lugar de conservação do igual. O ser passa a se afirmar na diferença, o devir é o devir da potência na diferença.
Os mais preocupados perguntam hoje: ‘como conservar o homem?’. Mas Zaratustra é o pimeiro e único a perguntar: ‘Como superar o homem?'” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 272
É necessário o dizer-sim do bom jogador, amor-fati, aquele que aprendeu a jogar não pelo resultado do lance de dados, mas pelo prazer que o jogo proporciona, independente do resultado. A dor o cativa, o torna mais forte, ele não amaldiçoa o sofrimento, ele o abençoa, pois é sua possibilidade de provar-se e ir além. Todo “acaso é cozinhado em sua panela”, ele pode aproveitar-se até mesmo da dor, é um tempero a mais na vida, é mais uma tonalidade que ele dispõe ao pintar novos horizontes.
Mas Nietzsche nos avisa desde cedo, não há super-homens ainda (até porque ele é muito mais uma atitude do que uma estado de ser). Nascemos em um lodaçal onde podemos nos aprimorar e tornarmo-nos mestres de nós mesmos, o super-homem é uma possibilidade circunscrita que acontece esporadicamente. Quem sabe não estamos abrindo caminho para ele? Quando a Vontade de Potência se manifesta plenamente, podemos dizer que o além-do-homem se anuncia através de nós.
Ir para além do homem é ir para além da forma homem pregada pelos humanismos que existem por aí, ultrapassar as ideias fechadas, os conceitos que mais parecem prisões. O que pode o homem? Mais nada, o melhor a fazer é ultrapassá-lo.
Após a morte de Deus, seu trono ficou vago, e foi preenchido por toda sorte de superstições. O niilismo ainda está presente, mas o além-do-homem atravessa todo este lodaçal como um raio de luz que não se deixa contaminar pelo niilismo. O além-do-homem atinge o ponto definitivo da morte de deus. Finalmente toda transcendência é deixada de lado: deus, religião, moral, lei, castração, verdade, ciência, humanismo, justiça, bem e mal.
A morte de deus foi anunciada, mas só com o advento do super-homem ela se torna definitiva. Com o declínio do último-homem, o ocaso de seus valores, o homem supera a si mesmo superando deus e todos os valores ascéticos. Por fim, a longa e gelada noite termina com os primeiros raios de sol, anunciando a filosofia do meio-dia.
O homem se acha no meio de sua rota, entre animal e super-homem, e celebra seu caminho para a noite como a sua mais alta esperança; pois é o caminho para uma nova manhã./ Então aquele que declina abençoará a si mesmo por ser um que passa para lá; e o sol do seu conhecimento permanecerá no meio-dia/ ‘Mortos estão todos os deuses: agora queremos que viva o super-homem'” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 76

Matteo Pugliese4
Matteo Pugliese


A psicologia do Homem do Ressentimento

O ressentimento, a ninguém é mais prejudicial que ao próprio ressentido” – Nietzsche, Ecce Homo, §6
Nietzsche

Nietzsche fez um diagnóstico do homem moderno. 
Seus pensamentos são essenciais para entender 
o niilismo em que vivemos e o motivo pelo qual 
o animal homem é um bicho doente. Através 
 da interpretação do mundo pela 
Vontade de Potência, Nietzsche tem condições 
de responder porque o homem ressentido dominou 
e como superar nosso pessimismo atual.
O ressentimento vem daquele homem que perdeu
 a capacidade de criar e de experienciar o presente. 
A Vontade de Potência é a força que se efetiva 
no devir, onde está o mundo está a verdade, 
por isso as forças ativas são ativas, porque 
afirmam o presente. O tipo ressentido é aquele 
que possui alguma inibição ou bloqueio 
para suas forças ativas se expressarem. 
Podemos separá-los em três níveis:
O primeiro nível de niilismo é o do homem 
 ressentido no exato sentido da palavra: re-sentir. 
O esquecimento é uma força ativa no homem que 
o livra de perder-se no passado. A força ativa 
 do esquecimento é o que apaga as marcas 
no homem e o permite novamente experienciar 
o devir. Mas o homem reativo não consegue 
esquecer, ele re-experiencia novamente porque 
suas forças ativas não conseguem superar suas forças 
reativas, responsáveis pela criação das memórias. 
Sendo assim, este homem perde a capacidade 
de metabolizar o que lhe acontece e passa a 
rememorar eventos passados. Lembrar é sempre 
ruim: até mesmo uma boa lembrança, porque 
nega o aqui e agora. O homem ressentido sente 
a frustração do peso de sua bagagem. A identidade 
que preocupa-se em manter, os valores 
de bem e mal, ideais são consequência da perda 
do devir pela memória hipertrofiada do homem reativo.
O segundo nível constitui a má-consciência. 
Dá-se quando a criação de ideais é usada para 
maldizer o mundo, gerando um mal-estar inerente 
à condição humana. O mundo nunca conseguirá s
atisfazer o homem cheio de ideais, por isso 
este indivíduo desaprende a amar a vida e passa 
a maldizê-la. Ele não sabe exatamente por quê, 
mas o mundo é ruim e não o satisfaz. Ele não 
consegue encontrar a solução, mas o mundo parece
 ter infinitos problemas. Ele não suporta que 
o tempo passe porque isso demonstra 
a impermanência que o homem da abstração 
não aguenta. Este tipo de ressentimento acontece 
porque as marcas que constituem o homem 
(sua memória, seus ideias, sua moral) impedem 
que a Vontade de Potência flua naturalmente. 
O homem domesticado é cruel consigo mesmo 
(como animal batendo nas grades): “sofro, 
 portanto deve haver um culpado”. Essas forças 
que se voltam contra ele são as mesmas que o
 machucam e debilitam.
Que tipos de pensamentos a doença inspira? 
A última forma de ressentimento o demonstra 
com o advento da figura do sacerdote. Somente 
ele foi capaz de mudar a direção do ressentimento, 
dar-lhe sua forma final. É uma atitude cruel por 
parte do padre, mas a única capaz de salvar o
 homem doente: dar sentido ao ressentimento, 
para diminuir sua dor. Como todo aquele que 
sofre procura por um sentido, o homem 
reativo também procura uma resposta para s
ua angústia. Qualquer sentido é melhor que 
a falta de sentido e o mesmo acontece com 
o homem reativo: ele não sabe por quê sofre. 
O padre lhe diz então: “você sofre porque 
é um pecador, se você sofre é porque é culpado”. 
A vontade está salva, há um sentido, mesmo que 
seja niilista: o homem sofre para em sua próxima 
vida ser salvo. A forma e o sentido do ressentimento, 
dada pelo padre, tem efeito sedativo, mas a interpretação 
 não é o remédio, é uma das causas da doença.
Nietzsche procura saídas para o homem moderno 
não sufocar-se em sua própria angústia. 
Um dos remédios para o ressentimento? 
A busca pelos momentos de espontaneidade: 
“Aja duas vezes antes de pensar”. 
O hiperdesenvolvimento da consciência levou 
à incapacidade de sentir e agir. O ressentido 
carrega consigo todo o lixo do qual não 
consegue desvencilhar-se. Já o homem ativo tem 
sempre o organismo limpo para novas 
experimentações porque se utiliza de umas 
das fórmulas desenvolvidas por Nietzsche para 
a grandeza do homem: Amor-Fati.

Gravura do livro "Memórias do Subsolo" de Dostoiévski.  Para Nietzsche, este livro representava a descrição perfeita do homem ressentido.
Gravura do livro “Memórias do Subsolo” de Dostoiévski. Para Nietzsche, este livro representava a descrição perfeita do homem ressentido.

Nietzsche – amor-fati      

 Nietzsche na varanda

Minha fórmula para a grandeza no homem é amor-fati: não querer nada de outro modo, nem para diante nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo” – Nietzsche, Ecce Homo, Porque sou tão esperto, §10.
As implicações do eterno retorno levarão inevitavelmente a outro conceito muito importante que Nietzsche chamou de amor-fati (do latim, amor ao destino). Se tudo retorna eternamente, e exatamente como é agora, então é imprescindível ao homem seu destino. Se não existe nada além desta existência, há de se concluir que apenas ela merece nosso amor.
Aprender a amar nosso destino, encontrar beleza no necessário, esta é a grande lição de Nietzsche já no fim de sua produção intelectual; talvez seu último grande ensinamento. Dizer sim à vida, porque só ela que existe e somente ela traz valor em si mesma. Esta lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” dá um sentido próprio ao que aconteceu (ver Zaratustra – Da redenção).
O controle do passado implica aceitar o que lhe foi dado e tirado. Todos os acontecimentos se inserem numa ordem causal da natureza, assim como você, portanto, nada poderia ter acontecido de outra forma, nada poderia ter sido diferente, não adianta lamentar-se. É preciso afirmar até mesmo o erro, afinal de contas, ele não é um erro! Ele era absolutamente necessário naquele momento e só pode ser interpretado como um erro se tomarmos formas superiores para nos guiar (mas Deus está morto).
A exortação de apropriar-se do que aconteceu nos torna capaz de seguir adiante. O bom e o ruim, a dor e o prazer, são inerentes à vida, amar o que lhe acontece e acontecerá é o primeiro passo para tornar-se quem é. “Em vez de esperar que um poder transcendente justifique o mundo, o homem tem de dar sentido à própria vida; em vez de aguardar que venham redimi-lo, deve amar cada instante como ele é” (Marton, Nietzsche e a transvaloração dos valores).
“O homem é algo que deve ser superado” (Zaratustra, prólogo). A forma homem é velha e caduca, ela vai errar sempre porque ainda está presa em ídolos metafísicos, presa à forma. É preciso deixar a forma-homem para trás para afirmar aquilo que passou e mais, amar aquilo que passou, porque assim deveria ser, por toda a eternidade. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência, para que mais serviria o amor-fati? Existe tarefa maior?
Devemos afirmar a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela. Mas este ensinamento foi muito mal compreendido. O amor-fati não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar, muito menos virar a outra face (Mt 5,39). O amor-fati diz para o indivíduo amar a vida, porque só ela existe e fora do todo não há nada. Significa afirmar o que tinha que ser sem deixar de afirmar a vontade de potência, em si e no mundo.
E negar os negadores é uma forma de afirmar! Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta, a insubmissão. E que dizer “Não” seja apenas um passo para se dizer “Sim” cada vez mais alto! Porque temos cada vez mais vontade de dizer “Sim!”. Vontade de estar no mundo! Vontade de amar! Amor-fati
Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores, Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276.

Ilustração de Maximillien Leroy
Ilustração de Maximillien Leroy.
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